16 de abr. de 2014

CONIC-ES participa de ato “50 anos de Resistência ao Golpe”

O regional do CONIC no Espírito Santo participou (CONIC-ES), na tarde do dia 1º de abril de 2014, do Ato Unificado “50 anos de Resistência ao Golpe de 1964”.
O evento também contou com representações do Fórum Memória e Verdade, CEDH, CDDH, OAB, Levante Popular da Juventude, anglicanos, católicos, metodistas, luteranos e presbiterianos, Sindicatos, alguns partidos políticos e movimentos sociais. 
Ao final do ato, houve uma atividade ecumênica, no qual o CONIC-ES foi representado pela moderadora da Igreja Presbiteriana Unida, presbítera Anita Sue Wright Torres.

Na íntegra, o seu pronunciamento:

“Quero trazer à memória o que me pode dar esperança”

É com tristeza que trazemos à memória os 50 anos do golpe militar, ocorrido em 31 de março de 1964, quando o presidente João Goulart foi deposto e os militares assumiram o poder, com apoio de uma boa parcela da população brasileira.
Os militares trouxeram consigo a intolerância àqueles que não apoiavam sua ideologia rasa e nacionalista (“Ame-o ou deixe-o”), desrespeitando sistematicamente os direitos humanos com seus métodos truculentos e violentos, arrastando aos porões da ditadura tantas pessoas, que, por não pensarem como eles, eram tachadas de subversivas e comunistas.
E nestes porões de chumbo vidas foram brutalmente ceifadas, não sem antes passarem por sessões intermináveis de tortura. Os que sobreviveram carregam consigo as marcas no corpo, na mente, na alma.

Quero relatar minha experiência familiar, pois ano passado lembramos os 40 anos da prisão, tortura, morte e desaparecimento do meu tio Paulo, deputado estadual por Santa Catarina, que foi cassado em 1964, não só pelo poder público, mas também por sua Igreja:

São Paulo, setembro de 1973; o telefone toca, e quando é atendido pelo Rev Jaime Wright, ele ouve duas palavras que iriam marcar definitivamente a sua vida, bem como de toda sua família: “Paulo caiu”.

Paulo caiu nos porões da ditadura militar; caiu e permanece até hoje nestes porões, não sabemos onde e nem em que condições “enterraram” o corpo dele.

O que sabemos com certeza é que não nos foi dado o direito de nos despedirmos dele, com velório e enterro no cemitério onde sua mãe está enterrada, em São Paulo. A família Wright atravessa há 40 anos o vale da sombra da morte de Paulo Stuart Wright.

Lembramos de Moisés, que foi chamado por Deus a libertar e conduzir seu povo em direção à Terra Prometida, numa caminhada de 40 anos pelo deserto, sendo guiados de dia por uma coluna de nuvens, que lhes dava sombra do sol causticante, e de noite por uma coluna de fogo, que iluminava e aquecia o povo.

Como no deserto dos hebreus, duas colunas se ergueram na denúncia de violação dos Direitos humanos e na defesa pela Vida. Reverendo Jaime Wright e Dom Paulo Evaristo Arns, um pastor presbiteriano e um cardeal católico foram estas colunas de fé e coragem que incansavelmente guiaram o povo pelo deserto da ditadura brasileira e latino-americana, especialmente os países do chamado Cone Sul.
O cajado que abriu o caminho foi o projeto “Brasil Nunca Mais”, um compilação dos documentos oficiais do Supremo Tribunal Militar, processos de presos políticos que relatavam as circunstâncias de suas prisões, torturas que sofreram, torturadores, etc.

O lançamento do livro “Brasil Nunca Mais” pegou a repressão de surpresa, e não puderam recolher o livro das livrarias, que ficou em primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos por 90 semanas consecutivas.

E assim, estes dois gigantes do movimento ecumênico ajudaram o povo brasileiro a atravessar o deserto da instabilidade político-social. Sabemos que Paulo Stuart Wright não é a única pessoa morta e desaparecida dessa época. Muitos companheiros e companheiras de ideais e sonhos de um país melhor tiveram suas vidas ceifadas, sua famílias desmanteladas e sem direito a enterrar seus queridos.

E agora, cinquenta anos depois, apontamos em nosso meio sinais de esperança, a certeza de que a luta não foi em vão, de que as vidas ceifadas caíram como sementes num chão bruto e manchado de sangue, mas que no seu devido tempo brotam como exemplo para novas gerações, de que, como diz o poeta “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

É de conhecimento de todos que um povo sem memória corre o risco de repetir sua história. Trazer este período à memória só tem sentido se for para nos dar esperança. A esperança de que não aconteça nunca mais a ditadura.

A Comissão Nacional da Verdade se apresenta neste momento para passar a limpo este período desértico e sombrio de nossa história. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, da qual a Igreja Presbiteriana Unida é membro, tem enfrentado e denunciado situações de abuso de poder, tem estimulado plena participação das Igrejas nos movimentos civis que almejam uma sociedade onde a cidadania é um direito universal, que será almejada quando acontecer, como diz o salmo 85:10: “O amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se abraçarão”.

Anita Sue Wright Torres
– Moderadora da Igreja Presbiteriana Unida (IPU)

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